quarta-feira, 9 de março de 2011

Obstáculos de uma amizade

A memória mais antiga que eu tenho é de quando eu tinha 4 anos. Eu estava na escola e era o meu primeiro dia de aula, eu tinha chegado 3 meses depois das aulas começarem. E foi justamente nesse dia que eu conheci a Lisa, a minha melhor amiga. Enquanto todas as outras crianças me olhavam estranho e se afastavam de mim, ela veio e se sentou comigo. Abriu um sorriso contagiante e disse um “Oi”.
Eu era muito tímida e apenas sorri de volta e baixei a cabeça. A professora então me apresentou pra toda a turma que continuava a me rejeitar. Não importava o que os professores fizessem, todos sempre me rejeitavam, todos menos a Lisa. Eu era a garota nova, a estranha, a que não pertencia ao grupo deles. Devia ter umas 20 crianças naquela sala. E não muito surpreendente Lisa era a garota que todo mundo mais gostava.
E por alguma razão, a pessoa que a Lisa mais gostava, era eu. Ela passou a fazer tudo comigo, daquele dia em diante, dividíamos o lanche, os brinquedos, ajudávamos as outras nos deveres. Não demorou muito a passarmos a freqüentarmos a casa uma da outra, nossos pais se conheceram. Viagem com a família, ela com a minha pra Italia, eu com a dela pros EUA e tantas outras coisas que marcaram a nossa amizade através dos anos.
Só que, logicamente nós tivemos nossos problemas como todas as amizades tem, e o que diferencia isso, é como a gente lida com a situação. Só que infelizmente nem toda a situação pode ser resolvida. Existem coisas que são imperdoáveis pra uma melhor amiga fazer.
E eu fiz. Eu fiz e o mais doido nisso é que não consigo me sentir culpada nem nada. Eu não sei se eu faria de novo se pudesse, mas não me arrependo de ter feito.
“Vocês não vão mesmo se falar?” o Lucas me perguntou parecendo me avaliar enquanto eu observava a Lisa de longe. Pode-se dizer que ele é o motivo de toda confusão, mas eu não direi isso, porque não acho que seja a verdade.
“Eu acho que acabou, Luke” sorri pra ele e dei de ombros jogando o cigarro no chão e amassando com o pé. “Tudo acaba. É assim que o mundo funciona” e pode parecer fria a minha atitude de não ligar tanto. Só... Não sei. Parece mais fácil assim.
“Eu não posso deixar vocês duas estragarem tudo por mim, quer dizer... Beth, vocês são inseparáveis” e eu dei uma risada tão fria que gelou a mim mesma e ao Luke também. Ele franziu o cenho e me olhou tão receoso e cheio de medo que eu podia entender o que ele queria dizer com aquilo e eu até concordava. Eu não era mais eu.
“Não foi por você, Luke. Não se ache tanto” eu dei-lhe um soco no seu braço e ele me puxou pra ele me dando um forte abraço.
“Eu amo você. Você sabe disso, não sabe?” e eu sabia. Mais do que qualquer outra coisa no mundo, eu tinha certeza do amor do Luke por mim. E o preço que eu tive que pagar por essa felicidade tinha sido a minha mais cara amizade.
“Eu também te amo” abracei-o ainda mais forte apertando meu corpo contra o dele e deixando o cheiro dele invadir os meus sentidos. Nada mais importava. Nada mais devia importar.
Eu não resisti de não abrir os olhos e dar mais uma espiada na Lisa. Agora era ela quem nos observava com claro ódio. E ela tinha razão por me odiar. Afinal, eu tinha ido embora por cinco anos, cinco anos que nos vimos e nos falamos, e quando volto, eu roubo o namorado dela. O cara que ela vivia dizendo que era o amor da vida dela, que ela queria se casar, e que nada no mundo os separaria jamais. Eu, logo eu, dentre todas as pessoas sabia da importância que o Lucas tinha pra ela. Logo eu, dentre todas as pessoas, o tirei dela. E logo eu, não sentia culpa por fazê-lo.
“Ei, deixa ela lá. Não fica encarando” ele me repreendeu quando me viu olhando pra ela. Isso tinha virado uma espécie de ritual. Todos os dias, enquanto esperávamos o ônibus pra voltarmos pra casa, estava a Lisa distante da gente nos olhando e eu olhando pra ela e ele sempre dizia a mesma coisa.
“Você a ama?” era uma pergunta que eu nunca tinha feito com medo da resposta porque eu já sabia a resposta afinal de contas. Eles tinham ficado juntos por quatro anos inteiros, eram O CASAL da escola. A maioria das pessoas os consideravam casados já.
“Amo” ele confirmou e não disse mais nada. Nenhuma daquelas frases clichês reconfortantes “Mas eu amo você mais” nada disso. E ele não o faria. No final das contas, eu não precisava delas, porque eu sabia disso, eu podia ver nos olhos dele que ele me amava e a amava, só que de formas distintas. Muito distintas. “Ela vai ficar bem, ela é forte” ele pareceu falar isso mais pra ele do que pra mim.
“Não. Ela não é forte, mas ficará bem. Mais amada que a Lisa é meio difícil” suspirei. Ela sempre me protegeu de tudo e de todos, mesmo eu sendo a mais forte. E no final das contas, ela não conseguiu se proteger de mim.
“Você ainda se culpa? Por ter ficado comigo?” eu e ele já tínhamos discutido isso várias vezes e a conclusão era sempre a mesma.
“Não. Aconteceu o que tinha que acontecer, se eu não tivesse aparecido, vocês teriam cometido um GRANDE erro. Iria estragar a vida dos dois. Você não é cara pra ela, Luke” ele riu e concordou.
“Eu sei. Ela sempre foi como uma bonequinha de porcelana, eu achava que ela poderia quebrar a qualquer minuto e sei lá, ela sempre foi tão bonita sabe? Era o tipo de garota que eu achava que sempre quis, a gente conversava muito, mas eu não me abria pra ela, eu até tentava, mas não conseguia, eu ficava com medo ou sei lá o que, com você não... É como se você fosse como eu. Eu sei que você pode me julgar, falar mal de mim, mas também sei que não importa o que eu faça, você estará comigo” ele deu um beijo no topo da minha cabeça e olhou pra ela.
“O mais doido de tudo é que no final das contas, mesmo eu estando errada, e sendo uma total bitch com ela, se ela fosse mesmo minha amiga, nada disso impediaria a gente de se falar e ser amiga. Brigar tudo Ok, ficar sem se falar por um tempo também, mas não pra sempre...” e isso nessa história toda era a única coisa que me doía.
Eu realmente não me arrependo de nada do que eu fiz, do que eu disse, mesmo machucando ela. A única coisa que dói, é saber que se ela não quer mais ser minha amiga, é porque de fato ela nunca foi. Ela nunca me amou como ela disse que amava, incondicionalmente.
“Nada irá nos separar, nunca! Nosso amor é incondicional, não importa o que a gente faça...” foi o que ela me disse uma vez. Talvez eu tenha sido tola por acreditar, não sei. Talvez eu tenha extrapolado demais roubando o provável amor da vida dela ainda mais na noite do baile de formatura. Talvez a culpa tenha sido minha por tê-la traído da pior forma possível, talvez traição não esteja incluída no plano de “amizade que supera tudo”. Eu não sei...
Tudo o que sei, é que por mais que eu tente não pensar nisso e não esperar, acho que sempre haverá uma gota de esperança de ter a Lisa de volta ao que era antes, só nós duas, sem Lucas, sem Gustavo, ou qualquer outra pessoa. Só eu e ela. Amigas para sempre, como sempre fomos, somos e seremos!