sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Gareth Night

Durante toda a minha vida eu esperei pelo dia em que eu poderia viajar por aí e conhecer novos lugares. Infelizmente sei que esse dia provavelmente nunca irá chegar, pois minhas tias não permitirão. Desde bebezinho eu moro com elas e foram elas que me criaram já que minha mãe morreu logo após meu parto pela inquisição. Toda minha família conseguiu fugir, menos ela que não estava em condições para uma fuga. Meu pai... Bem, eu não faço à mínima ideia de quem ele seja. Minha mãe, segundo minhas tias que são suas irmãs, sempre teve uma vida sexual muito agitada, sempre teve muitos homens e por isso a lista do meu provável pai tem mais ou menos 200 candidatos.
A ausência de um pai sempre foi algo que me incomodou e incomoda, através dos anos. Felizmente eu tenho minhas tias que sempre me ensinaram coisas, até hoje eu aprendo com elas. Elas não são exatamente tias normais, todas as três são bruxas. Minha querida mãezinha que morreu, também era uma bruxa, uma grande bruxa. Eu descendo de uma família muito antiga que tem essa tradição e que foi uma das primeiras a ser caçada pelos inquisidores. Hoje nós possuímos nosso próprio feudo, já que, uma de minhas tias se casou com um senhor feudal muito poderoso, incrivelmente ela não usou magia para conquistá-lo, e logo após o matou herdando assim todo o feudo. Toda a família do ex-marido dela foi morta por elas, para que não restasse dúvida de que o feudo seria nosso. Atualmente não é de costume uma mulher governar, mas em nossa família mantemos a tradição matriarcal das coisas e todas as mulheres sempre foram ensinadas a governar.
Foi uma tristeza para toda a família que minha mãe tivesse dado à luz a um menino e não a uma menina que pudesse continuar a linhagem original da família. Cresci e aprendi, a seguir a velha religião o que atualmente, nos tempos em que a igreja governa é algo terrível. Durante toda a minha vida não aprendi somente sobre a minha religião, mas aprendi sobre a deles também, afinal para se discutir algo e defender esse algo é necessário conhecer o lado inimigo.
Obviamente em minha família não tem apenas mulheres, tem homens também, um deles, o meu avô é um grande sábio. Ele não mora conosco em nosso castelo, ele prefere viver na floresta. Eu realmente gostaria de saber como ele sempre cheira tão bem se vive com os animais e quase como eles. Durante uma parte do meu treinamento eu tive que morar com ele e aprender a ver a natureza com os olhos dele, na verdade naqueles tempos eu aprendi a ser uma parte dela e ela de mim. É algo que todos nós aprendemos não só pela nossa religião que reverencia a natureza, mais também pelas fugas que provavelmente teremos que fazer. Meu avô é um velho bem excêntrico. Aqui todos o respeitam muito e o temem, na verdade mundo afora também o que é impressionante para alguém da velha religião. Minhas tias disseram que uma vez ele salvou alguém importante da igreja e essa pessoa ficou lhe devendo favores, em troca meu avô pediu paz para o nosso feudo, o que deu certo por anos.
Além de todo o meu treinamento mágico, eu também tive instrução para guerrear é claro, como todo bom homem. Em nosso feudo todos os homens são livres para amarem o deus que quiserem, porém com minhas tias no comando, obviamente a maioria segue a antiga religião. Todos nossos guerreiros e suas mulheres sabem ler e escrever, minhas tias fizeram bastante questão de que fossem instruídos nisso. Todas as mulheres tem o conhecimento das ervas, o que livrou muita gente de nosso povo da morte. O que antes os assustava e eles condenavam, hoje eles defendem com suas próprias vidas. Apesar disso tudo minhas tias não são pessoas boas.
Não é por ser ingrato que falo mal delas, mas apenas porque é a pura verdade. Elas são pessoas terríveis. Claro que não com o nosso povo que elas defendem com toda a magia que puderem e que foi com essa magia que nos mantiveram seguros por tantos anos, mas com outrem são até piores que os inquisidores. Talvez elas já tenham matado mais que muitos deles. Sempre me disseram que isso não era assunto meu e que quando eu crescesse eu iria entender. Com meus 17 anos de vida não faço a mínima ideia de muitos segredos que ainda cercam elas e que sei que nunca irão me contar.
“Oh Gareth... Aí está você meu menino” minha tia Mirian, a mais velha delas falou comigo em um tom nada agradável. Sempre quando ela me chama por algum nome bonzinho é porque certamente coisa boa não virá.
“Oi tia, entra” respondi no mesmo tom. Minhas tias nunca gostaram muito de mim, isso nunca foi segredo. Felizmente a recíproca é bem verdadeira.
“O jantar está pronto. Seu avô chegou há poucos instantes, ele passará uns tempos conosco, você sabe, o inverno está chegando” ela sorriu e me deu um beijo na bochecha. Certo, agora eu sabia que algo muito errado e ruim estava por vir.
“Certo, tia. Já irei” respondi. Antes que ela pudesse fechar a porta, minha prima e amante, entrou em meu quarto.
“Oi prima” falei sorrindo e dessa vez era sincero.
“Céus! Eu não consigo me acostumar com sua beleza, meu caro primo” ela sorria e eu a envolvi em meus braços. A Lilian era a filha de Mirian, que foi quem se casou com o ex-proprietário desse feudo. Claro que minha prima sabia de tudo, sempre soube! Mas na verdade ela nunca ligou pelo fato de não ter conhecido o pai. Sei que pode parecer cruel, mas a Lilian é a melhor pessoa desta família. Ela é incrível. Fomos criados juntos, quase como irmãos, mas nunca nos olhamos como irmãos, desde pequenos somos apaixonados um pelo outro. Felizmente aparentemente a Lilian em nada se parece com sua mãe. Lilian é tão bela quanto minha tia é feia. A Lilian é o oposto, em termos de beleza, de todas as bruxas que conheço. A Lily tem seus cabelos ruivos e lisos e olhos azuis incríveis, somente isso ela puxou de sua mãe, os olhos. Creio que ela deve ter herdado as melhores coisas dos seus pais.
“Nem eu. Como consegue ser tão tentadora menina?” sussurrei em seus ouvidos enquanto ela passava a mão em meu peito.
“Menina? Ora Gareth! Não sou mais nenhuma menina! Tenho catorze anos! Não me trate como uma criança” ela me olhou magoada. De fato Lilian não era mais aquela menininha por quem me apaixonei anos atrás. Agora ela era uma mulher feita. Eu não podia deixar de me deliciar com suas curvas sinuosas nos lugares certos.
“Eu sei, eu sei. Não fique assim, meu amor...” lhe beijei suavemente em seus lábios.
“Já estou na idade de me casar” ela suspirou. Não um suspiro de quem esperava muito por isso e sim um suspiro de um fardo que ela não gostaria de ter.
“Eu também sei disso e não gosto” falei ressentido. O casamento de Lilian estava sendo adiado até demais, com certeza alguma coisa minha tia deveria ter em mente. Talvez eles estejam tramando para a Lilian governar algum feudo como sua mãe. O que seria ótimo para mim se ela fizesse o mesmo com seu marido e depois se casasse comigo. Infelizmente sei que isso não passará de um sonho meu, já que meu destino está bem traçado.
“Minha mãe disse-me que hoje, no jantar, ela irá falar sobre isso. Parece que o vovô trouxe alguma bela oferta de casamento para mim. Oh céus! Não quero me casar com nenhum cara que tenha idade pra ser meu avô! Oh Gareth...” ela começou a chorar em meus ombros. Isso era algo que eu não tinha sido treinado para lidar: lágrimas de uma mulher. “Eu queria me casar com você!” ela disse entre soluços e chorou ainda mais.
“Eu iria, se pudéssemos, mas você sempre soube que não poderíamos” isso era algo que sempre nos afligia. O dia em que ela teria que se casar com algum senhor cristão para que nossa família tivesse mais poder.
“Sim, mas... Não sei. Eu esperava que daríamos um jeito!” ela me puxou para perto dela fazendo que nossos corpos ficassem mais juntos. Não pude deixar de aproveitar e tocar meus lábios em sua pele macia. Afinal, aquela poderia ser a última vez.
“Sinto muito, Lilian” sussurrei novamente. A única coisa que eu poderia fazer era consolá-la e me consolar. Foi exatamente o que eu fiz.
Logo após nos recompormos nós descemos para o jantar. Toda a nossa família estava presente. Isso quer dizer: minhas três tias, meu avô, Lilian, eu, Vivian a irmã mais nova da Lilian, Marco que é nosso outro primo e tem minha idade, talvez um pouco mais novo e alguns outros primos. O Marco para dizer a verdade é muito mais que meu primo, ele é quase um irmão pra mim e é meu melhor amigo. Ele na verdade sempre esteve em quase tudo comigo.
“Lilian... Gareth... Vejo que ainda estão juntos” minha tia Mirian sorriu, mas com certeza não foi um sorriso sincero.
“Oh meus jovens, espero que não seja nada serio huh? Vocês sabem... De qualquer forma Lilian, eu consegui um belo casamento para você minha querida” dessa vez foi o meu velho avô que falou. Senti uma leve agitação e murmúrios na mesa. Olhei para a Mirian e seu sorriso era claramente de triunfo, enquanto o de Lilian era de profunda tristeza. Doeu meu coração só de olhar para seu rostinho triste e nada poder fazer.
“Que boas noticias vovô. Com quem irei me casar?” ela tentou disfarçar a voz, fingindo alegria, mais eu a conhecia bem demais.
“Oh minha querida! Você irá se casar com o grande rei!” dessa vez foi a Mirian que falou. Eu não pude deixar de ficar chocado e de sentir o desespero da Lilian. Com o Grande Rei? Poderia ser pior? Eu não imaginava. Se é com o grande rei que ela irá se casar então de certo que ela não matará seu marido como sua mãe fez.
“Vocês vão mesmo me casar com aquele velho?” ela explodiu. Ninguém poderia condená-la a se casar com um cara com idade para ser o avô dela. Talvez a ideia fosse justamente essa: esperar ele morrer naturalmente e colocarem algum outro no lugar. Porém, ela seria apenas a viúva do rei, porque pelo que sei ele tem um herdeiro para o trono ainda que muito jovem.
“Tenha modos criança!” minha outra tia a repreendeu e logo após lhe deu tapinhas amigáveis em sua mão. “Lógico que não faríamos isso com você. Aquele velho morreu minha querida, morreu há uma semana. Seu avô estava lá quando isso aconteceu. O filho dele irá assumir o trono e ele é um jovem excelente! É muito bonito, todas as jovens suspiram por ele quando ele passa e é um excelente guerreiro, tenho certeza de que ele irá governar muito bem” todas as três estavam muito felizes. Eu sempre ficava com receio quando isso acontecia. E eu é claro, não pude deixar de ficar com ciúmes pelo casamento da Lilian com alguém considerado bonito. Não o invejo por beleza, sei que mais belo do que eu é difícil existir, mais sucesso do que faço com as mulheres é algo difícil de acontecer mesmo eu sendo um mero bastardo. No entanto esse jovem é bonito e ainda é da realeza? Coisas como essa só me provam que o mundo não é mesmo justo.
“Quantos anos ele tem, minha senhora?” perguntei com nojo. Ele pode ser rei o quanto quiser, porém a minha mulher não quero nos braços dele.
“Oh Gareth! Ciúmes agora? Você sempre soube que jamais teria Lilian somente para você! Contente-se com o pouco tempo que teve com ela. Sabe que ela tem coisas importantes a fazer e você também terá. O jovem rapaz tem apenas 20 anos. Ele pode parecer bastante novo, mas sabemos que se dará bem. Ainda mais com uma grande rainha como sua prima” Mirian me lançou aquele seu sorriso afetado novamente. Esforcei-me muito para disfarçar o nojo e minha repulsa por toda aquela palhaçada.
“Bem, ao menos ele não é velho não é mesmo? O senhor disse que ele é muito bonito vovô. Conte-me mais!” a Lilian agora já não chorava e parecia bastante empolgada para saber do seu futuro marido. Otimo! Que jovem não ficaria feliz ao saber que seria a Grande rainha?
“Que bom que está animada criança. Ele é um rapaz alto, forte, com belos olhos verdes e cabelos escuros que enlouquece todas as moças da corte” vovô disse sorrindo.
“Mas papai... Vejo que não usou nenhuma magia para conseguir o casamento, então como fez?” Maria, a irmã mais velha depois de Mirian perguntou.
“Ora minha filha. Este velho tem seus truques” ele sorriu. “O jovem rei não tinha preferência por nenhuma moça, na verdade ele apenas queria que fosse uma moça bem instruída, de boa família e que cuidasse muito bem dele e dos afazeres da casa. E é claro, seus bispos queriam que fosse uma bela moça cristã, de uma família cristã e seus cavaleiros queriam que tivesse um bom dote de guerra. Que jovem poderia ser mais instruída que Lilian, tirando você Vivian? Claro que não pertencemos a uma família cristã, mas seu pai Lilian, tem uma família que sempre foi conhecida por serem muito devotos, então eles acreditam que você é cristã, o que não será difícil enganá-los já que conhece muito bem os costumes deles, minha querida. Quanto ao dote... Bem, já acertei com eles. Um dote digno de um rei” o velho sorriu satisfeito. Pelo visto eu era o único na família a não gostar desse casamento.
“Se vocês me dão licença” eu disse me levantando rapidamente da mesa antes que alguém pudesse falar algo. Fui até meu quarto e bati a porta com raiva. Logo após ouvi três batidas na porta e como eu não respondi a pessoa entrou, essa pessoa era o Marco.
“Ora primo, não fique tão bravo” ele começou e parou no mesmo instante em que olhei em seus olhos.
“Marco, você sabe que eu a amo” eu estava com uma tremenda vontade de chorar, mas eu não iria estragar minha reputação.
“Eu sei. Creio que a Lilian também sabe e é por ela primo, é por ela que deve fingir que está feliz. Sabe muito bem como a Lilian é, é capaz dela fugir desse casamento, o que traria desgraça para nossa família. Finja que está feliz, é pelo bem dela. Melhor casamento ela não poderia querer”. Nisso ele estava certo eu não podia negar.
“Eu sei” disse entre dentes. Não pude evitar de dar uns chutes no armário o que certamente fez estragos.
“Vamos lá Gareth! Hoje é um dia importante. Você sabe que também terá que se casar, é só uma questão de tempo” o Marco como sempre, mais calmo e mais sábio que eu.
“É primo. Você também!” tentei sorrir, mas não consegui.
“Um mensageiro disse-nos que viram tropas dos saxões não muito longe daqui. Está em tempo de nos prepararmos para a guerra primo e você sabe muito bem quem lidera o nosso exercito” o Marco sorriu e seus olhos brilharam só em falar em batalhas.
“Não fique tão animado primo. Eu não vejo motivos”
“Só porque sua amada irá se casar com outro? Ora Gareth! Você é o nosso melhor guerreiro disparadamente!” nem meu pessimismo conseguia afetar o otimismo do Marco. Acho que por isso nos tornamos tão amigos, ele sempre trazia alegria a minhas infelicidades.
“Por enquanto primo, mas não creio que por muito tempo” falei sem animo algum. Antes do Marco se defender a Lilian entrou pela porta, me olhando fixamente sem sequer notar a presença do Marco.
“Quero que vá comigo!” ela falou em seu tom mais exigente impossível. Pela primeira vez na vida ela lembrava sua mãe. Devo acrescentar que isso não é uma coisa boa.
“Não irei. Boa sorte em sua nova vida” eu desejei sinceramente. Claro que não seria o suficiente para ela, nunca era.
“Disseram-me que as estradas estão muito perigosas Gareth. Quem melhor que você pra me proteger, meu amor? Quem melhor do que um bravo guerreiro para proteger a rainha?” dessa vez ela falou mais docilmente chegando perto me embriagando com seu perfume doce. Sinceramente eu tive que recuar um pouco antes que ela conseguisse, pra variar, o que ela queria de mim. Na verdade nós sabíamos que era só uma questão de tempo até ela conseguir. Por mais que meus sentimentos tenham sido feridos e meu ego mais ainda, eu não deixaria minha amada e querida prima em perigo se assim pudesse evitar.
“Não serei seu guarda-costas, minha senhora” afastei-me fazendo uma reverencia digna de vossa majestade o que a irritou profundamente.
“Não fale comigo desse jeito Gareth!” seu tom de sutileza e gentileza sumiram. Eu sabia que a tinha irritado. Isso era bom, de alguma forma. Não é como se eu quisesse mesmo ir com ela levá-la para o seu noivo.
“Prima...” o Marco decidiu intervir e ela o olhou como se só tivesse notado a presença dele agora e fez um cara de desprezo que deu pra ver que magoou o Marco. “Em breve teremos uma grande guerra, precisamos do nosso líder e melhor guerreiro aqui. Não posso liderar as tropas” ele falou com certa cautela. Realmente as mulheres de nossa família eram de dar medo. Ela decidiu ignorar o comentário do Marco como se ele nem sequer tivesse falado.
“Faça o que quiser Gareth! Mas se eu morrer a culpa será toda sua! Toda sua!” ela saiu gritando e bateu a porta.
“Nossa, elas sabem intimidar!” o Marco riu nervoso.
“Com certeza elas sabem” assenti. Essa situação era uma das poucas nas quais eu me sentia perdido, sem saber o que fazer, mas felizmente, ou não, havia pouca coisa que eu pudesse fazer. Eu amava a Lilian que era minha prima e mesmo que não fosse, eu não poderia me casar com ela pelo meu status. Eu sempre soube disso e ela também. Então por que eu me sentia tão surpreso e sem rumo? A única coisa que eu poderia fazer agora era protegê-la o máximo possível e eu sabia que ela tinha razão, ninguém melhor que eu para protegê-la. Dentro de alguns dias minha querida prima se tornaria a grande rainha e teria uma vida muito melhor do que ela levava aqui. Eu ao menos esperava e desejava que ela fosse realmente feliz.
“Gareth... Não fique aí sonhando primo. Logo, logo tudo se ajeitará e poderá voltar a viver sua vida em paz”. Eu esperava que ele estivesse certo, mas algo dentro de mim gritava que nada iria se acalmar. Na verdade eu sentia justamente o contrario, eu podia sentir a mudança dos ventos. Podia sentir o que esse casamento de Lilian com o rei faria em minha vida. Não sabia exatamente o que, mas seria algo grande.
“Diz isso primo, porque não sabe o que é amar alguém” falei mais pra mim do que pra ele.
“Quem disse que não primo?” ele riu maroto. Será que meu primo amava alguém em segredo? Amava alguém e nunca tinha me contado? Isso era algo que me surpreendeu. O Marco nunca foi muito bom em guardar segredos comigo.
“Mas oras! E nunca me falou nada primo? Quem é a garota de sorte? Alguma camponesa?” perguntei sentido-me mais animado. Seja ela quem fosse, seria uma sortuda. O Marco não é apenas de boa família, mas também é um ótimo guerreiro e considerado muito bonito pelas damas.
“Não. É a Vivian primo, nossa prima, irmã de Lilian” ele disse mais cabisbaixo do que eu me sentia.
“Oh” agora eu entendi o porquê do seu segredo. Antes mesmo do nascimento de Vivian todos sabíamos qual seria seu destino. Ser uma grande sacerdotisa, ou seja, ser de homem nenhum, ser de todos, uma grande guia espiritual para o nosso povo e sempre cuidar deles como uma mãe.
“Pois é. Está vendo? Sou menos afortunado que você primo! Ao menos teve seu deleite por alguns anos, eu nunca terei o meu” isso era algo realmente triste. Seria engraçado se algum padre chegasse aqui e se deparasse com isso, eu e Lilian, Marco e Vivian! Acho que eles desmaiariam de vergonha! Porém a agonia que eu sentia por meu primo não era nada comparada a minha. Eu sofrer eu nem ligava muito, mas meu primo, praticamente irmão era algo que me incomodava. O pior de tudo era saber que eu nada poderia fazer. Vivian nasceu pra ser grã-sacerdotisa e todos sabemos disso. A grã-sacerdotisa não se casa com ninguém porque é uma mulher que vive viajando e não tem tempo para tarefas banais como as que as outras mulheres fazem. Uma grã-sacerdotisa é uma guerreira também. Normalmente sabe tão bem sobre a arte da guerra quanto nós, guerreiros.
“Meu querido primo” falei colocando uma mão em seu ombro. “Sei como se sente. Vivian não é uma das mais bonitas, me surpreende se apaixonar por ela, ela não tem nem de longe a beleza de Lilian, mas porém é mais sábia que todos nós aqui... Ela sabe?” perguntei com curiosidade. Durante toda a vida Marco havia cortejado todas as moças bonitas que se aproximavam dele, não importando se eram casadas ou não. Certamente que todas ficavam muito contentes por um jovem belo como ele cortejarem-nas. Nunca faltava mulher na cama de meu primo, assim como não faltaria na minha se assim eu quisesse, mas eu optei por uma vida somente com Lilian enquanto eu pudesse. Algo de que não me arrependo agora.
“Obviamente que não Gareth! Ficou louco? Vivian nunca olharia pra mim assim” ele parecia ainda mais triste. Vivian não olharia pra ele? Não pude deixar de rir.
“Ora primo, que mulher nesse mundo não olharia para você?” eu duvidava da existência de tal mulher. Mesmo Lilian que era minha amante e prima do Marco, sempre o olhava e constantemente o provocava. Nunca liguei porque para mim não passava de brincadeiras de menina.
“Justamente uma mulher como Vivian” pelo visto eu não tinha o mesmo efeito animador que ele tinha sobre mim. “Ela não é como as outras Gareth. Vivian pode não ser tão bela assim, pode ter herdado a beleza de sua mãe, mas ela é incrível por dentro. Todas mulheres que já estiveram comigo nunca conseguiram conversar sobre nada além de casamentos e essas bobagens da corte. Acredite, não é algo interessante. Até mesmo Lilian se importa com essas bobagens. Vivian sente até uma certa repulsa e prefere sempre conversar com homens ou com mulheres como nossas tias do que essas conversas. Uma vez ela até me ganhou na espada!” ele sorriu abertamente. Seus olhos brilhavam só pela mera lembrança de nossa prima.
“Mas Vivian...” antes que eu pudesse terminar meu consolo ao Marco alguém bateu na porta e depois entrou em meu quarto. Hoje isso aqui estava especialmente agitado. Para nossa surpresa era exatamente a Vivian perfeitamente arrumada. Agora que o Marco tinha me contado sua paixão por ela, ela me parecia um pouco mais bela de certa forma. Seu corpo ainda era de uma menina é claro, já que ela era mais nova que Lilian, mas ela tinha quase o nosso tamanho. Era uma mulher alta com seu um metro e oitenta.
“Primos!” ela sorriu abertamente para nós. O Marco levantou a cabeça e sorriu feliz ao vê-la, mas logo ficou triste novamente. Não sei se foi impressão minha, mas pude ver um sinal de compreensão por parte de Vivian. Não seria surpresa se ela já soubesse é claro. “Interrompo? Ouvi meu nome e decidi entrar, me desculpem”.
“Tudo bem. Eu vou... Ver se acho a Lilian. Ela está chateada com minha atitude eu acho. Não será bom para nós que vossa majestade esteja tão irritada” falei me levantando da cama para me retirar do quarto.
“Não!” o Marco falou apressadamente. Olhei pra ele sugerindo com o olhar se ele tinha ficado louco, mas ele parecia bem são. Vivian olhou-o com um olhar tão doce, tão meigo... Então ela apenas sorriu e assentiu concordando com ele aparentemente. “Fique Gareth. Por favor” me olhou em suplica e não pude dizer não. Vivian não parecia ter se abalado nenhum pouco seja lá o que ela estivesse pensando sobre tudo isso.
“Preciso conversar com você Marco” ela falou agora seria. O sorriso e o tom bricalhão haviam sumido de sua voz. Ao invés de me enxotar logo, ele apenas segurou meu braço pra que eu continuasse onde eu estava.
“Pode falar” ele disse pra ela, mas sem olhá-la. Para mim ele falou. “Não Gareth! Fique onde está. Não irá a lugar algum. Seja o que for que Vivian tem para falar, não haverá problemas em falar em sua frente, certo Vivian?” ele perguntou levantando a cabeça para olhá-la, mas ela apenas desviou seu olhar.
“Como quiser primo” ela assentiu. “Bem, depois de hoje não pude deixar de me preocupar com certas coisas. Como todos nessa casa bem sabem o casamento de Lilian afetará a vida de todos nós. Principalmente... a sua Gareth. Muita coisa lhe reserva para o futuro” ela me olhou profundamente com aquele seus olhos azuis. Nem perguntei o que, não porque ela não soubesse, ela deveria saber, mas somente porque sei que ela não diria nem que eu pedisse. “Não, não irei dizer, você está certo” ela disse ainda me olhando. As vezes parecia que seus poderes iam além de qualquer expectativa, como essa coisa de ler pensamentos. “A minha também mudará, mas muito pouco por enquanto. E quanto a sua Marco... Ela me parece incerta e é quase como um borrão o que me preocupa muito” seu rosto era de dor. Ele ainda não a olhava, não sei como, mas eles tinham exatamente a mesma expressão e não estavam sequer olhando um para o outro.
“O que quer dizer?” a voz do Marco não expressou emoção alguma. Se ele não me falasse eu duvido que eu tivesse notado sua paixão pela Vivian.
“Não sei e é isso que me aflige. Não saber... Por isso eu vim aqui, Marco. Pra...” ela parou. O silencio estava quase insuportável ao menos para mim. Já eles dois não pareciam se importar. Eu me levantei e fiquei de costas para os dois. Fui até o armário pegar minha espada e minha capa. Quando me virei para olhá-los, a Vivian estava sentada onde eu estava a poucos instantes. Sentada na cama ao lado do Marco e estava segurando sua mão. Na verdade os dois estavam com seus dedos entrelaçados, um olhando para o outro sem nada dizer. Senti-me como um intruso e desviei o olhar. Voltei a me virar e a estudar minha capa. Tinha um furo nela, eu precisava lembrar-me de pedir a alguém que a consertasse. Na verdade seria melhor uma nova.
Depois de sei lá quanto tempo em silêncio e de olhadas significativas, eu finalmente escutei a voz do Marco. Os dois pelo visto ignoravam totalmente minha presença o que era bom. Eu não queria ficar aqui e ver os dois nesse amor todo, apesar de ser sofrido. Eu já tive minha cota por hoje, mas não podia negar ajuda a meu irmão.
“Não diga nada do que possa se arrepender depois Vivian” a voz do Marco dessa vez não soou nenhum pouco calma e normal. Foi até meio esganiçada.
“Não chore meu amor” a Vivian lhe disse secando as lágrimas que caiam sob as bochechas do Marco. Eu apenas fiquei lá olhando-os sem reação. Ele estava mesmo chorando por ela? Ela tinha chamado ele de meu amor? E os dois sequer tinham dormido juntos, ou trocado um beijo! Eu sabia disso é claro, porque ele me falou. Nunca foi dita palavras que indicassem o amor deles um pelo outro e nada físico. No entanto ele estava chorando por ela e ela chamando-o de amor. Naquele momento me senti muito confuso. Eu nunca sequer cheguei perto de chorar por mulher alguma, nem mesmo pela Lilian ou por minha mãe. Nunca. Nunca. A única vez que me lembro de chorar, foi quando meu cavalo morreu. Mesmo assim eu tinha uns dez anos. Desde então, nunca mais. Não porque eu segurasse, mas porque eu não senti vontade mesmo.
Os dois se abraçaram e ficaram assim durante um tempo até o Marco se afastar, mas seu rosto não estava mais lacrimoso. Ele segurou o rosto pequenino dela entre suas mãos que eram quase tão grandes quanto as minhas e a beijou nos lábios. Nenhum beijo animal ou algo assim. Ele apenas encostou os lábios dele nos dela. Muito, muito calmamente. Ao olhá-los eu percebi que eu não amava a Lilian do jeito que eu achei que amasse. Com ela nunca senti vontade de nada calmo e sutil assim, sempre era avassalador. Não chorei por saber que ela iria embora e se casaria com outro e que jamais voltaria a tê-la, apenas fiquei irritado e com ego ferido, mas apesar disso tudo eu ainda a amava bastante. Não da forma como Vivian e Marco, que era verdadeiro e puro eu pude perceber. Isso me animou mais do que qualquer coisa na vida.
Foi como a luz no fim de um túnel, então ainda havia esperanças de um novo amor para mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário